A Câmara dos Deputados aprovou ontem (14) um projeto que propõe criminalizar a discriminação de pessoas “politicamente expostas” como políticos, ministros do Poder Judiciário e detentores de cargos comissionados. O projeto ainda seguirá ao Senado. O PL 2720/23 vem dividindo opiniões.
Para o advogado e especialista em Direito Penal Matheus Falivene, o PL cria de fato “uma blindagem jurídico/criminal para os políticos”. “Atualmente, a jurisprudência é que pessoas politicamente expostas podem ser criticadas, até de forma veemente, sem que isso configure crime. Porém, esse projeto vai criar uma forma especial de injúria, com uma pena muito alta, de dois a quatro anos de reclusão, para quem eventualmente injuriar um político, uma pessoa politicamente exposta, ou, eventualmente, uma pessoa que é ré num processo. É lógico que não se deve ofender as pessoas – porém, muitas vezes há confusão entre a crítica contundente contra um político e uma eventual injúria a ser criminalizada. Isso cria uma situação bastante complicada, porque vai limitar muito a crítica política, que é importante. A pessoa que se dispõe a ter uma carreira política tem seus benefícios, mas também o ônus dessa carreira: sofrer críticas. Esse PL proíbe esse ônus, porque haverá um risco muito grande para quem criticar políticos. Além disso, cria novas espécies de discriminação, uma espécie de racismo contra pessoas politicamente expostas – uma tipificação bem estranha.”
O também advogado e especialista em Direito Penal Leonardo Pantaleão concorda. “O Direito Penal já possui mecanismos de proteção à honra e à dignidade, ao decoro – e não é possível que o Direito Penal olhe de forma específica para cada uma das pessoas. Desse jeito, não haverá fim para a legislação penal.” Para Pantaleão, “os políticos não são pessoas diferentes das outras”. “Se tiverem sua honra ofendida, naturalmente já existe proteção jurídica para punir, tanto o aspecto criminal contra um aspecto cível, pessoas que ofendem a honra de outros, independentemente de quem seja.”
Já para o advogado e especialista em Direito Constitucional Antonio Carlos de Freitas Junior, o projeto “é uma resposta da classe política a situações vividas por seus integrantes e pelos familiares destes, que vêm enfrentando dissabores por conta desta condição”. “Essas pessoas sofrem incômodos para abrir e movimentar contas bancárias, por exemplo, e também no mercado de trabalho, uma vez que políticas de compliance cada vez mais vedam a contratação destas pessoas para evitar favorecimentos”, explica Freitas. O especialista observa, porém, que “todos os políticos vêm sendo prejudicados – inclusive os bons e honestos, que veem invertida sua presunção de inocência, ou seja, tendo que provar que são honestos a todo momento, unicamente por ocupar cargo público”. “Essa situação traz um efeito nefasto à democracia, de modo que pessoas boas e honestas se afastam da política, deixando que os mal-intencionados se candidatem e sejam eleitos. Sendo assim, é necessária uma legislação que impeça a criminalização dos políticos apenas por sua qualidade”, completa.
Freitas pondera, no entanto, que, “ao estabelecer que eventuais discriminações a políticos constituem crime, inclusive com pena de reclusão, o PL 2720/23 dá um passo além do necessário para a solução da questão”. “O Direito Penal deve ser a última intervenção do Estado para a resolução de conflitos – o mais prudente é que se adotem medidas cíveis ou administrativas, como multas, antes da criminalização em si.” De qualquer forma, na avaliação do especialista, “o PL não apresenta inconstitucionalidade, de modo que a crítica principal é o estabelecimento de sanções de caráter penal”.
O especialista em Direito Constitucional Acacio Miranda observa que o PL 2720/23 “se declara com uma finalidade que pouco se tem comentado”. “Parece que a lei vai tratar da criminalização daqueles que cometerem injúrias contra pessoas politicamente expostas. A rigor, porém, a grande alteração da lei e a impossibilidade de as instituições bancárias negarem a abertura de contas para essas pessoas. Após a Operação Lava Jato, essas instituições têm de comunicar ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) todas as operações financeiras por pessoas politicamente expostas. O Superior Tribunal de Justiça fez prevalecer que era uma liberalidade dos bancos abrirem ou não estas contas – mas, com a vigência da lei de ontem, essa ordem do STJ ficou superada: as instituições serão obrigadas a abrir as contas, senão estarão discriminando essas autoridades.”
Fontes:
Antonio Carlos de Freitas Junior, advogado e professor de Direito Constitucional, especialista em Direito e Processo Constitucional pelo Instituto de Direito Público (IDP).
Acacio Miranda, advogado, doutor em Direito Constitucional pelo IDP/DF. Mestre em Direito Penal Internacional pela Universidade de Granada, Espanha.
Leonardo Pantaleão, especialista em Direito e Processo Penal, mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP.
Matheus Falivene, doutor e mestre em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).